
Por outro lado, como em todo relacionamento longo, eu e meus livros temos momentos de crise e os últimos anos não têm sido fáceis. O primeiro problema veio em uma mudança anterior, quando percebi, depois de arrumar os volumes nas estantes, que tinha as colocado no lado errado da sala. Daí lá vou eu tirar todos os livros e colocar de volta do outro lado. Nos dois anos e pouco que se seguiram, o problema foi a falta de espaço. O apartamento era pequeno e não havia lugar para uma estante. Então deixar os livros juntos era um exercício de paciência, esforço e vaselina. O limite de espaço passou a regular as compras e em mais de um momento me vi deixando algo na livraria porque não havia lugar.
Compramos nosso apartamento no final de 2010. Dessa vez havia um segundo quarta onde cabiam não só as estantes que eu já tinha, como também havia espaço para mais. Compramos uma maior, dupla, achando que demoraria para enchermos. Entre descontroles, certa pujança econômica, horror vacui e nossas desculpas para precisar agora de determinado título, o espaço extra se acabou rapidamente. Não havia problema. Brincando de dança das cadeiras - os de culinária foram para mais perto da cozinha, os de psicologia foram para uma caixa da despensa... - e eliminado alguns, as coisas se arrumaram por algum tempo. Mas livros são como tribbles. Como o apartamento é nosso para todo o sempre, começamos planos de colocar mais prateleiras sobre as estantes.
Antes mesmo disso o calor e os vizinhos barulhentos nos propuseram a ideia de colocar condicionador de ar na biblioteca. Para isso era obviamente necessário quebrar a parede e, portanto, levar os livros para outro canto. Entre enrolações do "profissional" contratado e problemas diversos, cerca de metade dos livros passaram meses empilhados na sala. Levamos todos para lá e depois da quebradeira e da limpeza, Daniela e a faxineira enfiaram todos nas estantes de qualquer jeito. Coube a mim dar ordem. Passei uma ou duas semanas nessa função, pois é impossível mexer nos livros sem dar uma olhadinha dentro de um ou outro. No processo separei alguns para me desfazer e arrumar um pouco de espaço.
Achei que ficaria tudo tranquilo e ficou. Por quase dez dias. Daí veio a notícia que vamos nos mudar de novo. Para um apartamento bem menor. Em outro estado. Então ontem fui comprar caixas para empacotarmos todos os livros (e as estantes) de novo. Vontade de proibir para sempre a compra de mais livros, de torcer por uma falta de gás de cozinha para usá-los para ferver a água no miojo. Pensamos em levar os livros de trabalho da Daniela para o gabinete na universidade, mas ele fica a 130 quilômetros de casa.
Olhando os livros e pensando no trabalho, juro que nunca mais vou comprar filósofo austríaco de que não se pode falar, irlandês incompreensível, coletânea de quadrinhos que tem peso para matar uma pessoa ou enciclopédia de quando eu era criança. Acho que isso explica porque nas últimas semanas comprei dois livros para Kindle. A preguiça de ter que empacotar mais livros ainda, ter que pensar se vamos ter como colocar todas as estantes no apartamento novo são um grande incentivo para esquecer um pouco do papel.
A experiência de leitura é muito boa: se abro o Kindle no iPad ou no iPhone, ele está no lugar onde parei e ter os livros sempre comigo é confortável e faz a leitura andar mais depressa. O preço dos livros na Amazon americana também é razoável, principalmente para livros que imagino que não vou ler de novo.
O problema é que a facilidade estimula a compra desenfreada. Quando compramos livros pela Amazon, o processo é mais lento. Escolho, pergunto se a Daniela quer alguma coisa, enrolo um pouco. Tudo para ter tempo de tirar os livros. Vejo um comentário sobre um livro, fico curioso, adiciono na lista de compras para o próximo pedido. Na hora de completar a compra, já esqueci do que se trata e tiro do carrinho. Tudo isso desaparece com o livro eletrônico.
Descubro a existência do livro. Entro na Amazon. Cliquei, já aparece no iPad e no iPhone. Sem tempo para pensar, sem chance de me arrepender. Não ocupa espaço, não pesa.
Mas fica lá no fundo da cabeça pedindo para ser lido agora.
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